Brejões é uma cidade situada no território de identidade, Vale do Jiquiriçá. Sua
população estimada, através do senso de 2010, foi de 14.282 habitantes. Uma cidade
rica em manifestações e patrimônios culturais como, rezas, samba de roda, artes
rupestres, casas históricas, museu comunitário, festas de São João, São Pedro,
procissões diversas para santos católicos, reisado, Bumba meu boi, mulinha de ouro,
artesanato e etc. Nessa terra, reside um povo festeiro e acolhedor, marcado por um
tempo de muita riqueza, mas também de opressão, escassez e resistência. E, talvez, o
maior ato de resistência dos brejoenses seja não deixar “o samba morrer”, a arte
apagar!

A história de abundancia e opressão nascem do mesmo lugar: da produção cafeeira!
Essa esteve impregnada no orgulho e na formação cultural dos que nasceram e
criaram-se durante todo o século passado, notadamente em meados das décadas de
50 e 60. Desde os pequenos e incipientes plantadores, até atingir a fama internacional,
com grandes safras e sendo exportadas como o melhor café ‘bebida fina’ do Brasil,
ganhando prêmios renomados nas praças de compras Trieste, Nápoles, Hamburgo,
Londres e Amsterdã. Chegando a implantar a segunda unidade produtora de café
solúvel no país. Com isso, os brejoenses se apropriam do titulo “Brejões, Terra do
Café”. “Mesmo com o declínio do café nessa região e município e com um processo
lento de recuperação do plantio cafeeiro, os conterrâneos identificam-se até hoje com
este título, pois ele tornou-se parte da cultura local”.
A Fazenda Lagoa do Morro, conhecida internacionalmente como Agribahia, é situada
no município. Essa era uma das maiores fazendas de café da região e chegou a
empregar mais de sete mil funcionários de uma só vez. Esses funcionários vinham de
toda região do Vale do Jiquiriçá e até de outros estados do país. Com a chegada desses
migrantes, a busca por moradia aumentou significativamente na sede e logo os pastos
espalhados pela cidade foram tornando-se “moradia”. Porém, essas moradias foram
construídas de forma precária e sem dignidade, as paredes feitas de taipa e cobertas
de palha de licurí ou sapé, logo eram tomadas por água da chuva que alagava e
causava sérios transtornos para os moradores. Além disse, Brejões é uma cidade com
baixas temperaturas, podendo chegar até 10° no inverno, circunstância essa que
tornou ainda mais difícil a situação dessas famílias que passaram a residir nessas
condições.
Com a alta produção do café, a cidade de Brejões crescia a todo vapor. No ano de 1928
recebia luz hidroelétrica, sendo a segunda do Estado a conquistar esse feito. Essa
conquista se deu por conta da necessidade de iluminação adequada para o
desenvolvimento que o município foi conquistando com a produção cafeeira.
Antigos moradores relatam alguns detalhes sobre a chegada da luz elétrica no
município: “Brejões foi a segunda cidade da Bahia a possuir luz hidrelétrica, por ser um
dos maiores produtores de café do Brasil tendo uma das maiores fazendas de café
independente do Brasil, que era a Fazenda Lagoa do Morro, a energia era gerada
através do rio Brejões, hoje um esgoto a céu aberto, não para favorecer as indústrias
mas sim a população. A energia era ligada as 18:00 horas e era desligada às 22:00
horas, com a diminuição do fluxo do rio, a energia passou a ser gerada por um motor a
combustão que funcionavam com gasolina e óleo diesel mantendo o mesmo horário
de funcionamento. A fazenda Lagoa do Morro tinha seu próprio motor para gerar sua
própria energia. Coube à inauguração da eletricidade de Brejões a Mauro Meireles,
que residia em Castro Alves, no governo de Góes Calmon. Everaldo Cajaiba foi um dos
primeiros funcionários da COELBA. Os primeiros postes eram de madeira de eucalipto,
depois que a empresa assumiu houve uma interligação com a energia do funil e
cachoeira do inferno que ficava próximo a cidade de Santa Inês”.
Segundo Sr. Edson Galvão “A Hidrelétrica, foi feita da União de forças de Proprietários,
que se destinaram a comprá-la, devido às condições topográficas do nosso Rio Brejões,
entenderam que uma turbina seria o ideal para a produção dos Klwats que eram
necessárias para a energia pluvial. Afinal, até então, só despunhavamos de luz de
lampião”.
Enquanto os fazendeiros buscavam melhorias a fim de ajustarem seus próprios
interesses e aumentarem cada vez mais seu lucro, enquanto o comércio crescia no
centro da cidade, desde lojas de tecidos importados para alta costura das roupas das
damas da cidade até feiras com vendedores de correntes de ouro vindas de outras
cidades, uma parte da população desfrutava de cinema, possuíam seu próprio jornal
impresso diário com noticias vindas de todo Estado, tendo assim acesso a informação,
seus filhos iam para a capital estudarem nas melhores escolas, casas iam sendo
erguidas com fachadas ecléticas, tendo como influencia arquitetura europeia, Por
outro lado, outra parte da população, os invisíveis sociais, sucumbiam na periferia da
cidade. Carregam nas costas a opressão e a luta diária pela sobrevivência. Esse
contraste até hoje é nítido, porém não tanto como no século passado, isso por conta
do declínio do café no município, nos anos de 2000 que impactou na situação social e
econômica de toda população, sem distinção. Obvio, mas bruscamente para a
população negra, de baixa renda e com baixa escolaridade. Para entendermos melhor
esse contraste social no município, vamos conhecer um pouco sobre as histórias de
dois bairros marcado pela dor e alegria de serem quem são. Os bairros Monte e
Mutirão.
As histórias de luta dos primeiros moradores e das dificuldades encontradas nas
comunidades do Monte e Mutirão, não se apagam da memória da professora leiga,
Dona Dota. Ela foi uma das pessoas que mais contribuiu para proporcionar dignidade a
essas pessoas. Mas, antes de contar qualquer história sobre esse lugar, sempre
reverencia seus mestres, os evangelizadores, Padre Lucas e Ricardo e as freiras Assunta
e Ligia que iniciaram mutirões para construírem casas, proporcionarem alimentação de
qualidade e levar um tanto de afeto através da fé a todos e todas da comunidade.
Esses religiosos chegaram ao município na década de 1980 e conquistaram diversos
feitos para toda comunidade. Escola, Lar do Idoso, Sindicato dos trabalhadores,
Fazenda Esperança-Centro de recuperação para dependentes químicos, Escola
Agrícola- EFA, Pastoral do Menor e a revitalização dos Bairros Monte e Mutirão.
Dona Dota, escolhida para ser a coordenadora da pastoral da criança e primeira
professora do Monte onde, na ausência de um prédio escolar, mesmo sem estrutura
adequada, ministrava aulas na igrejinha da comunidade. Essas crianças que não tinham
direito a escola, até então, precisaram dedicar anos na colheita do café, não só por não
terem quem cuidasse delas enquanto os pais iam trabalhar, mas também porque
serviam de apoio para aumentar a colheita do café e assim melhorarem a renda de
suas famílias. No turno oposto as aulas, dona Dota ministrava oficinas de artesanato,
plantio de hortas e diversas atividades não só para crianças, mas para seus pais, no
centro paroquial da Igreja Católica, situado no centro da cidade.
As condições para irem trabalhar eram precárias, caminhões sem proteções,
conhecidos como Pau de Arara, nas estradas marcadas pela poeira ou chuvas fortes,
saiam de casa antes do amanhecer para irem em busca do pão de cada dia. As
refeições que levavam consigo não passavam, na maioria das vezes, de um punhado
de farinha com pedaços de rapadura, na cintura carregavam cabaças com agua, era a
forma que tinham de mantê-la fresca para amenizar a sede que passavam. Ao lado dos
pais, iam rezando e cantando cantigas de trabalho, louvando por mais um dia de vida.
No sol, com as mãos rachadas, chapéus de palha, roupas sobrepostas, elas entoavam
cantigas de roda e tudo parecia uma grande festa, não fosse a realidade de receberem,
mesmo depois de tanto sacrifício, após uma semana de trabalho, um valor ínfimo por
caixas de café. Mas ainda assim, na semana seguinte, a fé estava de pé!
Segundo dona Dota, depois de muita reivindicação dos padres e freiras, construiu-se
uma escola chamada João Evangelista. A partir daí, o prefeito na época, reconheceu a
necessidade de apoiar o mutirão de brejoenses que se encontravam finais de semana
para baterem adobo de barro para construírem as casas. Nasce ai, na década de 1980,
uma nova realidade nos bairros que levaram o nome de Monte e Mutirão.
Dona Dota, relembra com lágrimas nos olhos, as tristes histórias daquela comunidade.
Uma das que mais marcou a coordenadora da pastoral do menor, foi a de uma família
que chegou a perder duas crianças no mesmo dia, por falta de alimento, morreram
desnutridas. Ela acompanhou o luto e a luta da família em enterrar dois anjos numa só
manhã.
Na localidade também existia um pé de jaca, que servia de alimento a muitas famílias.
Nos dias difíceis, algumas delas chegavam a se alimentar de jaca verde com pimenta
para sanarem a fome. Essa arvore era localizada onde hoje é o jardim do Monte, em
frente a casa e bar da cigana, dona Teinha, ex panhadeira de café e lavadeira de roupa.
Uma grande artista e mestra da cultura do município.
Antes de surgir a Escola João Evangelista, hoje referencia na comunidade, existiu uma
creche comunitária que foi criada por uma freira chamada Isabel. Ela quem custeava
toda despesa e em sua confiança, as mães deixavam seus filhos para irem pra o
trabalho, o que facilitou por um tempo a vida de muitas mulheres.
Os bairros do Mutirão e Monte tem um outro fator que chama a atenção, geralmente
os pais, filhos e netos residem uns ao lado dos outros. Isso porque, segundo dona
Dota, conforme as famílias iam crescendo, os filhos iam casando e no terreno vizinho
ou no fundo das casas dos pais, construíam suas próprias casas. O que fortalece o
afeto e as redes de apoio entre os familiares, assim os dois bairros se configuram como
aldeias de saberes e afetos. Se por lá a riqueza econômica não prevaleceu, a
abundância de saberes tradicionais faz-se morada, transbordando e sobrevivendo ao
tempo, através de cada história contada por quem ali reside/resiste!
Com a chegada dessa pandemia, instala-se uma nova batalha, o agravamento da
vulnerabilidade social e muitos vêm experimentando novamente o que antes era só
uma lembrança dolorosa, o sabor da fome!