Mestre Joventino

A história de Seu Joventino Feliciano Sales é um testemunho de uma vida repleta de experiências e desafios, marcada por simplicidade, trabalho árduo e uma visão da vida que poucos têm o privilégio de adquirir.

Nascido em Ipirá, Bahia, há 107 anos, Seu Joventino é um daqueles homens cuja presença ilumina qualquer lugar. Sua baixa estatura, sua voz tranquila, seu firme aperto de mão, o inseparável cajado, seus cabelos brancos e rugas que contam histórias, fazem dele um pilar da comunidade de Santa Inês, onde mora há mais de 70 anos.

Ao chegar à casa de Seu Joventino, residência onde mora há 50 anos, encontrei-o cuidando dos pés de coentro com a mesma dedicação que empenhou a todos os aspectos de sua vida. Ele nos recebeu com satisfação e prontamente começou a compartilhar sua jornada de vida. Enquanto a conversa rolava, um pássaro estevão cantava vez ou outra. Perguntei se ele gostava de pássaro, falou que não era seu, que não gostava de gaiola.

Tem saudade de tudo do tempo em que morou em Brejões e dos anos quando chegou em Santa Inês. Tudo era bom, o viver, amizade demais, as pessoas podiam viver bem com os outros, iam para festas no Corrente, uma légua e meia de Brejões. Não tinha estrada de carro.

Seu Joventino nasceu em uma família numerosa, com dez irmãos, em uma época em que a educação era um desafio nas áreas rurais. Dos seus irmãos ainda vivem Estefa (113 anos), Maria e Luibino. Ele nos contou sobre a falta de escolas na zona rural, e como a escola mais próxima estava a várias léguas de sua casa, tornando o acesso à educação uma dificuldade e até impossibilidade naquela época para quem era pobre.

Seu pai sustentava os filhos, e só os deixava sair trabalhar nas fazendas quando completavam dezoito anos. A educação formal estava fora de alcance, e a responsabilidade de trabalhar na lavoura era o caminho para ajudar a sustentar a família. Recorda das palavras proféticas do pai, quando ele dizia que o freguês não haveria de achar onde se esconder com o mundo cheinho de “cavalo do cão”, fazendo menção aos carros e os aviões.

Seu Joventino então se mudou para Brejões, onde trabalhava em uma fazenda e enfrentava longas caminhadas para levar na cabeça por 6 léguas uma mala de roupas limpas para a filha dos patrões, que estudava num colégio em Amargosa. Ele recordou como o acesso à educação era restrito aos ricos naquela época e como as distâncias eram superadas com determinação e muita fé.

Foi durante esse período que ele conheceu Dona Lurdes, com quem viveu por muitos anos, lembrando com carinho do tempo em que, seguindo os costumes da época, teve que pedir a autorização do pai dela para namorá-la.

A festa de casamento deles, realizada em Santa Inês, foi um evento memorável. Seu Joventino nos contou que ele ajudou o sogro nos preparativos, comprando um bode e carneiro para alimentar os convidados durante três dias de festa, com muita comida, bebida e danças.

Seu Joventino contou que quando chegou em Santa Inês não tinha nem água, nem luz elétrica. Que nas ruas a iluminação era feita por candeeiros, e que em casa usavam a lamparina a gás. A água eles buscavam no chafariz mais próximo e a traziam em latas em cima da cabeça. A água dos chafarizes não era cobrada, mas do reservatório perto da antiga Coelba sim.

Seu Joventino e Dona Lurdes tiveram sete filhos, mas infelizmente, três deles morreram ainda crianças, trazendo tristeza a essa família trabalhadora, que apesar de passar por momentos difíceis, sempre encontrou forças para seguir em frente.

Dos tempos antigos, lembra com saudosismo das festas com fogueira, realizadas nas noites de lua cheia. Disse que vinham os vizinhos de perto, que o terreiro  era muito “mundo velho” para cantar roda, e era uma coisa linda as moças cantando e dançando, mas nem ele, nem Dona Lurdes iam na roda para dançar, gostavam era de sambar no seu canto. Nos contou que não tem fotografias desse tempo, que elas eram caras, não tem foto nem do casamento. Disse que nunca andou de trem, que via o “horário” (como assim chamavam o trem), mas nunca andou, pois para Brejões e Amargosa para onde ele costumava ir o trem não ia. Então ele ia a pé.

Por muitos anos a mata cercava a cidade de Santa Inês, e havia muitas nascentes de água, mas que foram desmatando, e com isso as águas secaram.

Ele passou a maior parte de sua vida trabalhando na agricultura, cultivando mandioca e feijão e também trabalhando na “panha” do café. Mesmo após a aposentadoria, ele não parou de trabalhar na terra, que é onde ele se sente mais feliz. Seu filho que mora nas proximidades o leva de vez em quando até a terra na beira da BR-420, onde Seu Joventino pega no cabo da enxada e cuida de sua plantação.

Recordou que quando era criança a figura de Lampião gerava muito medo e fazia muita gente correr pelo sisal. João Grande, seu irmão, já correu do bando de lampião.

Em sua vida longa e rica, Seu Joventino testemunhou muitas mudanças. Ele se lembra do dia em que o Presidente Juscelino Kubitschek esteve na cidade, embora tenha dito que não se importava muito com isso. Ele também compartilhou memórias de quando viu o primeiro automóvel em Brejões, o “besouro verde” (1958), e numa tardinha, quando voltava da panha do café ele e os companheiros viram algo preto no céu, que fazia muito barulho  e  sobrevoava a fazenda, deixando todos assombrados, correndo para trás, se perguntando o que era aquilo. Era um avião, que mais tarde deu nome à Serra do Teco (teco-teco).

Quando perguntado sobre o segredo de sua longevidade, Seu Joventino respondeu com simplicidade, como é característico de sua personalidade. Ele disse que as pessoas frequentemente lhe perguntam, mas a chave, segundo ele “é o freguês saber viver a vida”. Ele enfatizou a importância de saber o que comer e beber, não se envolver em excessos, evitar magoar os outros e ser alguém que todos gostam.

A história de Seu Joventino Feliciano Sales é um testemunho de resiliência, amor, simplicidade e determinação. Sua jornada de vida é um lembrete de que a força de caráter, a sabedoria adquirida ao longo dos anos e a capacidade de encontrar alegria nas coisas simples são ingredientes essenciais para uma vida longa e significativa. Seu Joventino é uma fonte de inspiração e um tesouro para a comunidade de Santa Inês e para todos que têm a oportunidade de conhecê-lo.

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